quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Atribuições e competência das autoridades judiciais, policiais e ministeriais.

  Abuso de poder e de autoridade. Negação de Justiça ou desrespeito aos Direitos Humanos. Responsabilidades constitucional, penal, civil e administrativa


por Cândido Furtado Maia Neto

  Lei nº 4.898/65, excluída do rol dos crimes de competência do Juizado Especial Criminal, ante a complexidade e a importância do bem jurídico tutelado, necessidade de reprimenda estatal mais grave por ofensa à dignidade da pessoa humana, pelo desrespeito ao ” ius libertatis” e ao dever funcional de proteção à integridade física e moral da cidadania

RESUMO

  Trata-se de estudo monográfico referente a abusos de autoridade e de poder praticados por agentes do Estado, por intermédio de seus servidores, funcionários e autoridades publicas, quando atentam e não respeitam as garantias fundamentais da cidadania consagrados na Carta Magna e nos instrumentos internacionais de Direitos Humanos, aqueles ratificados e aderidos pelo governo brasileiro e/ou aqueles de aceitação universal tácita, quando configura delito contra a honra, contra a liberdade de comunicação, ao direito de ir e vir, causando constrangimento não autorizado por lei, em face ao desrespeito à dignidade da pessoa humana, cabendo por conseqüência responsabilidade do Estado e indenização às vítimas de abuso de poder e de autoridade. Tudo em nome da segurança jurídica e do devido processo legal e coibição à geração de impunidade penal.


  Palavras-Chaves: Abuso. Poder. Autoridade. Cidadania. Cláusula Pétrea. Constituição. Devido Processo Penal. Direitos Humanos. Estado de direito. Democracia. Justiça. Garantias Fundamentais.Instrumentos Internacionais. Ministério Público. Sistema Acusatório. Reforma Lei nº 4.898/65.

RESUMO
  Se trata de estudio monográfico referente a abusos de autoridad y de poder practicados por agentes del Estado, por intermedio de sus servidores, empleados y autoridades publicas, cuando no respetan las garantías fundamentales de la ciudadanía consagradas por la Carta Magna o en los instrumentos internacionales de Derechos Humanos, aquellos ratificados y adheridos por el gobierno brasilero y/o aquellos de aceptación universal tácita, cuando configura delito contra la honra, contra la libertad de comunicación, al derecho de ir y venir, causando prejuicio moral y material no autorizado por la ley, ante el no respecto a la dignidad de la persona humana, cabiendo por consecuencia responsabilidad del Estado e indemnización a las víctimas del abuso de poder y de autoridad. Todo en nombre de la seguridad jurídica y del debido proceso legal y cohibición a la aeración de impunidad penal.
  Palabras-Claves: Abuso. Poder. Autoridad. Ciudadanía. Cláusula Pétrea. Constitución.. Debido Proceso Penal. Derechos Humanos. Estado de derecho. Democracia. Justicia. Garantías Fundamentales. Instrumentos Internacionales. Ministerio Público. Sistema Acusatorio. Reforma Ley nº 4.898/65.

  Este ensaio monográfico não diz respeito aos crimes de abuso de pessoas cometidos por particulares contra particulares nos termos do código penal, e também não se trata do abuso de direito na forma definida pelo código civil (art. 187/927); especificamente se refere a uma análise doutrinária quanto a atos ilícitos de abuso de poder praticados por agentes e autoridades públicas que não respeitam as garantias fundamentais da cidadania e os Direitos Humanos universalmente consagrados.
  As ofensas contra os Direitos Humanos são praticadas pelo Estado, por seus servidores e não pelos cidadãos, como pensam alguns. São crimes em regra cometidos em concursus de agentes, concursus facultativus, em concursus necessarius, uma espécie de delinqüência premeditada, simultânea e de grande alcance quanto aos ideais e objetivos dos criminosos. Trata-se de delito de função e de crime de responsabilidade por tomarem parte funcionários e autoridades públicas, onde a responsabilidade penal e as colheitas das provas são sempre difíceis - materialidade e autoria -, porque ditos delinqüentes são os primeiros a destruí-las ou a descaracterizá-las, pelo tráfico ilícito de influências e do uso de comando político ou do poder hierárquico.

Estão levando à loucura o Brasil que agente ama.
Está faltando alguém gritar ....(Roberta Miranda)
  São os funcionários públicos que atentam contra os Direitos Humanos, sendo verdadeiro crime organizado de lesa humanidade; daí o grande perigo das autorizações judiciais para infiltrações de policiais em quadrilhas ou bandos que atuam em práticas criminosas diversas e continuadas, para desvendar delitos graves ou violentos, de repercussão nacional ou internacional (Lei nº 9.034/95 cc. Convenção de Palermo das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, ONU/ 2005).
  Entendemos que a Lei nº 4.898/65 de abuso de autoridade se encontra fora do rol de processamento e julgamento da competência dos Juizados Especiais Criminais (estadual e federal), visto que se trata de crime contra os Direitos Humanos, por sua significatividade, complexidade (art. 66 e § 2º art. 77 da Lei 9.099/95) e lesividade considerável, que contra o ius libertatis dos cidadãos, contra a integridade física e moral e contra a dignidade da pessoa humana, exigindo reprimenda nacional e internacional.

O abuso de poder e de autoridade são delitos graves que lesionam a humanidade, em geral vítimas diretas e indiretas, razão pela qual poderiam ser crimes imprescritíveis, contra a ordem constitucional e o Estado democrático, a exemplo da tortura (incs. xliii e xliv do art. 5º CF/88). Não há que se falar em infração penal de menor potencial ofensivo, são crimes de potencial ofensivo máximo.




É imaginável prever acordos judiciais ou transações penais (arts. 76, 79 e 89 da Lei do Juizado Especial Criminal) em crimes contra a humanidade e contra os Direitos Humanos Indisponíveis e Fundamentais da cidadania. Trata-se de ação penal de natureza pública incondicionada onde prevalece o princípio da obrigatoriedade e da indisponibilidade, ante a gravidade da ofensa e a importância da tutela jurídico-penal a nível nacional e internacional.



Por necessidade de justiça os delitos de abuso de poder e de autoridade devem ser processados e julgados pela justiça comum, aplicando-se subsidiariamente as regras do código penal e de processo penal no que couberem (art. 28 da Lei nº 4.898/65; art. 3º cc. arts. 513 a 518 CPP e art. 1º § 2º do CPP Militar), ante a soberania e a validade hierárquica vertical das leis, e os princípios: “lex posteriore derogat anteriori”, “lex superior derogat legi inferiori” e “lex specialis derogat legi generali”, em respeito as regras de antinomia e de direito intertemporal.



A Emenda Constitucional nº 45/2004, definiu a atribuição de processamento dos crimes contra os Direitos Humanos ao Procurador-Geral da República, e a competência de julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça - STJ (art. 109 V-A e § 5º da EC nº 45/2004 c.c art. 1º, inc. III, Lei nº 10.446/02).



Salientamos que os atentados contra os Direitos Humanos sempre terão repercussão nacional e internacional, por serem considerados “bien commun de l’humanité” e crime de lesa humanidade.



É de se destacar também, a prerrogativa de função de algumas autoridades, como por exemplo chefes de polícia, membro do Poder Judiciário ou do Ministério Público como garantia constitucional-institucional de processamento, não podendo o feito tramitar perante o Juizado Criminal e na Justiça Penal Comum de 1ª instância (art. 125 § 1º CF/88; art. 33 da LC nº 35/79 – LOMAN; art. 40, III e IV da Lei nº 8.625/93 MPE; arts. 18, II da LC nº 75/93 MPF; art. 84 usque 87 CPP); ademais os delitos de abuso de poder ou de autoridade somente se caracterizam se praticados com dolo - intenção -, nos termos da adoção da teoria finalista (art. 18, I da Lei nº 7.209/84).



Os Direitos Humanos devem ser respeitados a toda hora, inexiste no Estado Democrático qualquer tipo de pretexto legal para a sua violabilidade, desprezo ou inaplicabilidade prática (MAIA NETO, Cândido Furtado, in “Os Novos Conceitos do Novo Direito Internacional” ed. América Jurídica, RJ, 2002, pg. 33 e sgts.).



A Assembléia-Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração dos Princípios Básicos Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder (ONU/1985). Entende-se por vítimas de abuso de poder qualquer pessoa que sofra prejuízos à sua integridade física ou mental, sofrimento de ordem moral, uma perda material ou um grave atentado aos seus direitos fundamentais, como conseqüência de atos ou de omissões que violam normas internacionais em matéria de direitos do homem.



No ordenamento jurídico, a Lei nº 4.898/65, regula o direito de representação, a qualquer do povo, por meio de petição para responsabilizar administrativamente, civilmente e penalmente os casos de abuso de autoridade; qualquer ato contra:



1. à liberdade de locomoção e à incolumidade física do indivíduo: 1



1. prisões ilegais ou indevidas, que significa ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder, ante a inviolabilidade do direito à liberdade (art. 3º “a” e 4º “a” c.c inc. LXI, art. 5º e “caput” CF/88; exercício arbitrário ou abuso de poder - art. 350 CP). 1



1. submeter pessoa sob custódia a vexame ou constrangimento não autorizado por lei (art. 4º, letra “b” cc. Princípios Básicos para o Emprego da Força e da Arma de Fogo ONU 1990; e Regras Mínimas do Preso no Brasil Resolução nº 14/1994 MJ, arts. 47/48, da preservação da vida privada e da imagem do preso); 1



1.2.1 uso desnecessário de algemas; o emprego de força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência (arts. 329 e 330 CP) ou tentativa de fuga; o emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido para os presos com direito a prisão especial ou que devam ser recolhidos em quartel, dentre eles os ministros de Estado e do Tribunal de Contas, governadores, membros do Congresso Nacional e das Assembléias Legislativas, os magistrados, representantes do Ministério Público, oficiais das Forças Armadas e das Polícias; bem como para os diplomados em curso superior, aplica-se o disposto na lei penal adjetiva militar a modo de direito comparado e de analogia in bonam partem, conforme permite expressamente o Código de Processo Penal Comum, pelo contido no seu artigo 3º, já que no Codex inexiste norma a respeito da apreensão de pessoa (art. 240 e sgts e 301 e segts., art. 284 e 292 CPP; art. 199 LEP; Decreto nº 4.824, de 22 de 11 de 1871; art. 234 e 242 CPPM); e



1.2.2 uso irregular de camburões, proibição de transporte de presos em viaturas policiais, cujo cubículo seja de espaço reduzido, com pouca luminosidade e pouca aeração (Lei nº 8.653/93).



1.2.3 violência arbitrária, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la (art. 322 CP). 1.2.3



1.2.4 extorsão, constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, com intuito de obter vantagem econômica, fazer, tolerar ou deixar que se faça alguma coisa (art. 158 CP).



1.2.5 ameaça, causar mal injusto ou grave (art. 147 CP).



2. à inviolabilidade de domicílio (art. 3º “b”):



1. contra excessos ou desvios gerados por ordens de buscas e apreensões (art. 240 e segts. CPP), quanto ao modo - mandado judicial específico - e horário – das 06 as 18 hs (art. 172 CPC), em residências particulares, empresas privadas, escritórios de advocacia (Lei nº 8.906/94, art. 7º, incs. I e II) e representações diplomáticas (Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, 1961, aprovada e ratificada pelos Decretos nºs 03/1964 e 56.435/65, art. 22; Decretos nºs 6/67 e 61.078/67, art. 43; e a Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas); e



2.2 violação de domicílio (art. 150 CP e art. 173 CPPM cc. art. xi art. 5º CF/88).



3. o sigilo de correspondência (art. 3º “c”):



garantia de sigilo à qualquer espécie de comunicação, para coibir interceptações telefônicas clandestinas e escutas não autorizadas pelo Poder Judiciário, ou as interceptações autorizadas quando manipuladas e utilizadas indevidamente para fins criminosos, com fins de extorsões e seqüestros; também o vazamento das informações por agentes e autoridades do Estado encarregados pelo monitoramento das chamadas telefônicas e escutas que desviarem a sua finalidade, divulgarem trechos fora do contexto geral das comunicações ou derem publicidade indevida, por estar o feito sob segredo de justiça, podem responder por crime de abuso de poder, razão pela qual existe no Congresso Nacional projeto de lei para melhor controlar a forma dos monitoramentos e restringir as autorizações judiciais de interceptações telefônicas, posto que se tornou regra das investigações e não a exceção como deveria ser (Leis nsº 4.117/62 e 9.296/96, cc. inc. XII, art. 5º CF/88. MAIA NETO, Cândido Furtado in “Quebra do Sigilo Telefônico..."; Informativo Jurídico in Consulex; Ano XVI, n.23 - Brasília-DF. - Junho/2002; Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal; Ano III, n. 16; outubro/novembro de 2002; Revista Prática Jurídica; Ano I, n. 4, Julho/2002; Revista Jurisprudência Brasileira, Cível e Comércio, Vol 197 "Sigilo Bancário", ed. Juruá, 2003, Curitiba-PR; e www.universojurídico.com.br – Prolink Publicações (05.03.2008).



3.1 violação de correspondência (art. 151 CP).



Todo e qualquer tipo de abuso de poder ou de autoridade é passível de responsabilidade administrativa, civil e penal, cabendo ao Estado indenizar as vítimas e ofendidos diretos e indiretos, ante o dever de assegurar a inviolabilidade da intimidade, da imagem, da vida privada e da honra das pessoas (inc. X, art. 5º CF/88; indenização e reparação do dano - art. 186/188 CC).



As sanções previstas para punição dos crimes de abuso de poder e de autoridade (art. 6º, §§ 2º, 3º e 5º e art. 9º da Lei nº 4.898/65), no âmbito da legislação nacional estão previstas na esfera administrativa, penal e civil, com penas na espécie de advertência, suspensão, destituição e demissão do cargo ou função pública, além da prisão (inc. xlvi, art. 5º CF/88; Leis nsº 9.099/95, 10.259/01 e 11.313/06 do Juizado Especial Criminal; arts. 32 CP, restritiva de direitos - arts. 43 e segts. CP, multa - art. 49 e segts CP); e na esfera supra-nacional a reprimenda de organismos e cortes internacionais de Direitos Humanos.



São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: ...o abuso de autoridade ou de poder, por violação ao dever inerente ao cargo, ofício, ministério ou profissão (art. 61, II, letras “f” e “g”, da Lei nº 7.209/84 – Código Penal, Parte Geral).



O código penal comum brasileiro conceitua como funcionário público qualquer pessoa que embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública (art. 327 CP); e o código de processo penal regula a forma de julgamento dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos (art. 51/518 CPP). E a modo de direito comparado, o código penal militar pátrio quando se refere a funcionário incluí, para efeito de aplicação, os juízes e os representantes do Ministério Público, além dos demais auxiliares da Justiça Militar (art. 27 do CPM - Dec-lei nº 1.001/69).



Considera-se autoridade para os efeitos da lei nº 4.898/65, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração (art. 5º).



A Constituição federal proíbe discriminação ou tratamento cruel ou desumano (inc. XLVII, art. 5º CF/88), pelo princípio da isonomia, porque todos são iguais perante a lei, não se admite privilégios ou distinções quanto ao “status social”, condição econômica ou financeira dos acusados homens e mulheres, nacionais e estrangeiras, todos iguais em direitos e obrigações segundo as leis penais do País (art. 5º “caput”, inc. I CF/88 cc. art. 1º CC, Declaração Universal dos Direitos Humanos ONU/1948, e a Convenção sobre a Eliminação de todas a Formas de Discriminação contra a Mulher ONU/ 1979).



“Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais,...nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação” (art. 17 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos ONU/ 1966).



Por sua vez, o Código de Conduta para os Funcionários Encarregados de Cumprir a Lei (ONU – Res. nº 34/169/79), expressa: “os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem cumprir, todo o momento, o dever que a lei lhes impõe, servindo a comunidade e protegendo todas as pessoas contra atos ilegais, em conformidade com elevado grau de responsabilidade que a sua profissão requer” (art. 1º).



O desconhecimento da lei é inescusável (art. 21 CP).



A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (inc. XLI, art. 5º CF/88).



São à todos assegurado o direito de petição aos poderes públicos (inc. XXXIV, “a” CF/88).



A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (inc. XXXV, art. 5º CF/88).



O Tribunal Penal Internacional (TPI de 1998), reconhecido pelo governo brasileiro no ano de 2002, ratificado pelo Estatuto de Roma, cujas atividades oficialmente iniciaram em 2003, define os crimes contra a humanidade; a saber:



- ataques à população civil, por exemplo: homicídio - execução extra-judicial -;

encarceramento ou a privação de liberdade física, em violação às normas fundamentais do direito internacional (Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento do Preso, ONU/1955; Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, ONU/1988; Lei nº 7.210/84 – Execução Penal);




- a tortura;



- desaparecimento forçado de pessoas;



- atos desumanos que causem sofrimento contra a integridade física ou mental, etc.



A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada e adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas (Res. 217 A III – ONU, 10.12.1948) preceitua: “todos os seres humanos são iguais em direitos e dignidade; todo o individuo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal; ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito à igual proteção da lei; toda pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei; e ninguém pode ser arbitrariamente preso, delito...”(arts. 1º, 3º, 5º, 7º, 8º e 9º) ; valendo concluir: ninguém pode ser arbitrariamente acusado, processado ou condenado.



Ainda na Declaração Universal encontramos: “toda pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente; ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada,...no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação; contra tais intromissões ou ataques toda pessoa tem direito à proteção da lei” (arts. 11 e 12).



Por sua vez, a prisão em flagrante delito (art. 302 CPP) e a decretação de prisão preventiva (art. 310/311 CPP) sem os requisitos e formalidades exigidas pela norma, configura abuso de poder e de autoridade, quando não bem fundamentada, justificada e não comprovada na forma da lei a real e objetiva necessidade, estão fora as subjetividades pessoais – princípio da taxatividade.



O tipo subjetivo do crime de prevaricação é a pratica de ações ou omissões, com especial fim de agir. Não estamos nos referindo a negligência, somente se comprovado nos autos de inquérito policial ou de ação penal que o indiciado ou acusado possui residência fixa e trabalho lícito, quando inexistem motivos ensejadores para a decretação de prisão preventiva, ademais de restar aferida a possibilidade e permissão legal de concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança - de acordo com a condição financeira do acusado (art. 350 CPP); ou tendo o crime imputado pena cominada não superior a 4 (quatro) anos; deste modo é flagrante o abuso de poder e de autoridade a manutenção ou retardo da concessão da liberdade provisória; posto que no caso de condenação existe direito ao regime aberto (art. 33, § 1º, letra “c” e § 2º ltera “c” CP), em outras palavras, do apenado cumprir a sanção em liberdade, o que não justifica uma espécie de pena antecipada e cruel.



Os limite dos prazos processuais não podem ser ultrapassados injustificadamente, somente se prorrogam, se suspendem e são contados em dobro segundo a previsão legal (art. 789 e sgts CPP), existem penalidades às partes processuais e às autoridades judiciais, abuso que diz respeito a omissão voluntária e não involuntária, quando por razão de carência de condições de recursos materiais e humanos ou ainda por motivo de força maior.



Decidiu o Superior Tribunal de Justiça (Processo de Hábeas Corpus nº 46.392-SP - 2005/0126062-1. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, STJ) a duração prolongada da prisão cautelar é abusiva, porque o excesso do encarceramento é irrazoável, ofende frontalmente o postulado do princípio da dignidade da pessoa humana, assegurado pela Carta Magna e instrumentos de Direitos Humanos; ainda que cuide de acusados de crimes graves, a abusividade é evidente (Súmula nº 697-STF), ante a inaceitabilidade de se dilatar prazos processuais contra o princípio da celeridade (inc. LXXVIII, art. 5º, EC nº 45/2004).



Não existe prisão ou tempo de prisão razoável, é sempre um mal, a execução tem-se tornado cruel, infamante e desumana, ante as condições práticas que estão sujeitas as pessoas encarceradas - pelo menos no continente latino-americano -, pela ofensa à dignidade dos presos originária das mazelas e precariedades materiais do sistema penitenciário, sob responsabilidade administrativa do Poder Executivo. É proibida na Constituição e nos instrumentos de Direitos Humanos qualquer espécie de sanção ou tratamento cruel, ainda se estamos falando de prisão provisória, espécie de pena antecipada e indevida, atentatória ao princípio da presunção de inocência, prisão sem o devido processo e sem a culpa formada ou comprovada nos termos do sistema acusatório democrático.



Para efetivar o princípio do devido, justo e necessário processo legal democrático (inc. LIV, art. 5º CF/88), seja em sede de investigação policial-ministerial ou na fase da instrução criminal, se faz imperativo a atenção irrestrita aos direitos fundamentais individuais da cidadania, dispostos no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (ONU/1966), na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (OEA/1969), e na Constituição federal (1988).



Exacerbar a acusação para manter alguém preso, também, se dolosamente a intenção for de deixar de expedir ordem de liberdade ou de promover manifestação ministerial fora de tempo oportuno, com o intuito de procrastinar, impedir a liberdade, prolongar a prisão provisória-temporária, por excessivo sentimento pessoal de repressão penal (art. 4º “i” Lei nº 4.898/65), tornando a conduta do agente público, cruel e ilegítima, proibida nos termos da Constituição federal (inc. XLVII, “e”, art. 5º CF/88).



“A prisão ilegal será imediatamente relaxada” e “ninguém será levado a prisão ou nela mantido quando a lei admitir fiança” (incs. LXV e LXVI, art. 5º CF/88); por isso, existindo dúvida no momento da imputação entre o crime mais grave com menos grave, prevalece a acusação mais branda, o princípio do in dúbio pro reo aplica-se desde o início, desde a investigação criminal e da ação penal até o fim do processo judicial. Assim como, entre circunstâncias atenuantes e agravantes, prevalecem aquelas, para os fins de correta dosagem de pena.



Também é abuso de poder ou de autoridade o desrespeito e o cerceamento ao direito de ampla defesa e do contraditório (inc. LV, art. 5º CF/88). Ressalte-se, que para evitar e coibir tal abuso tem-se a necessidade premente e constante da garantia fundamental de todo cidadão ser assistido por advogado ou defensor público, em todos os processos criminais, em face de carência financeira e do direito líquido e certo de ampla defesa e do contraditório (Lei nº 1.060/50 e Lei Complementar nº 80/94, da Defensoria Pública; art. 133/134 § 2º CF/88 cc. art. 2º da Lei nº 8.906/94).



O ilustre jurista e criminalista professor Bretas adverte, com coragem e muita sabedoria, sem a existência da defensoria pública como instituição autônoma, independente e eficiente, não há exercício pleno da função jurisdicional estatal, porque no contexto da administração da justiça, no seu conceito mais amplo - lato sensu – não se admite que falte um órgão indispensável e essencial na sua estrutura, que dificulte a efetivação do Estado Democrático e o respeito aos Direitos Humanos (Bretãs, José Bolívar, in “ A imperiosa necessidade da Defensoria Pública”; Caderno Direito e Justiça, O Estado do Paraná, Curitiba, 16.12.2003, pg. 8-9).



São os advogados que trabalham e denunciam os abusos de poder e de autoridade. Os governos devem assegurar para que os advogados possam desempenhar todas as suas funções profissionais sem intimidações, obstáculos, coação ou interferência indevida, para que não sofram, nem sejam ameaçados no âmbito do exercício das suas funções, devendo receber do Estado a proteção adequada (Princípios Básicos à Função dos Advogados, ONU/ 1990).



São os advogados e demais operadores das ciências penais - policiais, agentes ministeriais, magistrados, etc. - os atores fundamentais para a defesa dos direitos fundamentais da cidadania.



A Lei nº 4.898 de 1965, dispõe que constitui abuso de autoridade qualquer atentado contra os direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional (art. 3º “f”), e a Carta Magna garante a liberdade de qualquer trabalho ou ofício (inc. XIII, art. 5º CF/88), expressando que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável seus atos e manifestações no exercício da profissão (art. 133 CF/88; ver Dotti, René Ariel in Breviário Forense – “A VII Conferência Nacional da OAB”, in Direito e Justiça, O Estado do Paraná, maio-junho/2008; e Assad, Elias Mattar “Violação de prerrogativas e sua prova”, Direito e Justiça 01.06.08, pg. 2).



É proibido juízo, tribunais ou promotorias de justiça de exceção (inc. XXXVII, art. 5º CF/88), ninguém será processado nem sentenciado, senão pela autoridade competente (inc. LIII, art. 5º CF/88).



O princípio do juiz natural, leia-se princípio do promotor natural, regula a inviolabilidade das opiniões jurídicas e as manifestações processuais, sempre limitadas às atribuições legais de cada agente ministerial, previamente definidas pelos órgãos da administração superior do Parquet, com a devida e prévia publicação em diário oficial (arts. 24, e 41, v da Lei nº 8.625/93); objetivando a ciência e o conhecimento amplo das partes litigantes e do juízo, em nome da obrigação de transparência dos atos da administração pública.



Assim sendo, qualquer desvio de função ou usurpação, por interesse pessoal na causa (art. 319 CP), sugere abuso de poder e de autoridade. Interesse de vantagem em razão da função, infringe dever funcional, aos limites das atribuições ou das competências legais, pode configurar ainda, ilícito de corrupção (art. 317 CP).



A escolha ou seleção de juízo viola o princípio do dever de imparcialidade e do juiz natural, caracteriza tribunal de exceção, litigância de má-fé, crime de abuso de poder e de autoridade, quando comprovado dolo através da intenção de facilitar e conseguir ordem ou mandado judicial de prisão – temporária, provisória ou preventiva - que não seria, em geral, por outros juízos decretada. Seria uma espécie de tráfico de influência (art. 332 do CP), ou de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP); porque os funcionários e autoridades públicas por obrigação devem dar exemplo de conduta ética, para legitimar a persecução criminal contra cidadãos da República.



Também as designações post factum, de juízes ou promotores de justiça, esporádicas ou extemporâneas, ou seja, aquelas feitas à posteriori no mínimo configura duvidosa a questão da transparência. O correto são substituições automáticas ou naturais, previstas e regulamentadas ante-factum, estas sim demonstram imparcialidade na administração de justiça, sem qualquer tendência, seja para condenar ou absolver, por esta razão não se escolhe processo, nem este ou aquele juiz, nem este ou aquele promotor de justiça.



Os “súditos”, no passado não possuíam direitos fundamentais; “o Rei” direta ou indiretamente abusava de seu poder, sempre quando lhe convinha no interesse de processar, acusar, condenar e colocar na prisão os “vassalos” submetidos à sua autoridade.



Note-se, a lei nº 4.898/65, reza que constitui abuso de autoridade ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com desvio de poder ou sem competência (art. 4º “h”), fora dos limites legais previamente, quando caracteriza juízo ou promotoria de exceção.

  O delito de prevaricação (art. 319 CP) caracteriza-se pelo retardo processual injustificado para satisfazer sentimento pessoal, em desrespeito ao princípio da exigência de razoabilidade, quanto ao tempo de tramitação de processo administrativo ou judicial (inc. LXXVIII, art. 5º CF/88 - EC nº 45/2004); obviamente quando comprovado dolo de beneficiar ou prejudicar alguma das partes litigantes, se na hipótese de manutenção indevida da prisão, restando configurado por excesso de prazo e constrangimento ilegal ocasionado pela autoridade, em inobservância ao dever funcional de aplicar corretamente a lei e o tratamento digno aos cidadãos, como obrigação do Estado de proceder atos, manifestações e decisões judiciais em tempo hábil previsto na norma vigente.

  As garantias judiciais são cláusulas pétreas (art. 60, inc. IV CF/88) auto-aplicáveis (§ 1º, art. 5º CF/88), direitos que não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (§ 2º CF/88 cc. art. 1, inc. I CPP), ante a prevalência hierárquica vertical, a validade e a soberania das normas de Direitos Humanos (§ 3º EC nº 45/2004). Somente algumas garantias fundamentais podem ser restringidas ou suspensas, não todas, excepcionalmente no Estado Democrático quando decretado pelo Poder Executivo, ouvido o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional sob apreciação do Parlamento (Estado de Defesa e de Sítio, art. 136/137 CF/88), e a obrigação imperativa de ser comunicado in continente o Secretário-Geral das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos (arts.27, Pacto de San José da Costa Rica, 1969).


  Quando um só princípio, dispositivo ou norma de Direitos Humanos fundamentais do cidadão, são violados, não há que se falar em devido processo penal, mas em abuso de poder e de autoridade e também em erro judiciário (MAIA NETO, Cândido Furtado, in “Erro Judiciário, Prisão Ilegal e Direitos Humanos: Indenização às Vitimas de Abuso de Poder à luz do Garantismo Jurídico-Penal”; Revista de Ciências Jurídicas e Sociais da UNIPAR, Toledo-PR, vol. 7, nº 1, jan/junho – 2004; www.tribunadajustiça.com.br, maio/junho-2006; www.universojurídico.com.br, Prolink Publicações – 10.3.2008).

  A Carta Magna define que o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, para aquele ficar preso além do tempo fixado na sentença (inc. LXXV, art. 5º CF/88). A reparação por dano material e moral do Estado através do Poder Público corresponde ao executivo - policia, sistema penitenciário – ao Ministério Público e ao judiciário ante a devida responsabilidade institucional e pessoal de seu agente (ação regressiva referente ato administrativo de funcionário público causador de dano, cujo Estado já tenha sido obrigado ao ressarcimento de indenização, Lei nº 4.619/65; Lei nº 1001/2000, de Responsabilidade Fiscal e Lei de Diretrizes Orçamentárias).

http://jusvi.com/artigos/34506

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